sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Meu pai ainda está aqui

 Falo pouco dele. 

Ainda não entendi muito bem a misteriosa relação que nós dois tínhamos.

Ao mesmo tempo em que ele me ensinou coisas muito importantes para alguns dos meus sucessos na vida (lembrando que sucesso é um conceito relativo), a gente batia de frente como dois touros numa briga pela vida. Talvez porque eu seja muito mais parecida com ele do que eu gostaria...

A gente quer ser a gente, única, e quando vê refletida no espelho uma imagem que lembra pai ou mãe (o que é mais do que óbvio, porque vivemos os primeiros anos e experiências com eles) a coisa pode ficar estranha.

A não ser que vc descubra, estudando algumas correntes filosóficas e espirituais, que sua ancestralidade é sua base e, deve ser honrada e agradecida, pois sem ela, você não existiria. Aí tudo se encaixa melhor. 

Estou no meio termo, ainda...

Mas, voltando a ele, ontem fomos comer num restaurante chique, para comemorar o aniversário do Ton (ele escolheu, eu não tinha a menor ideia onde seria - sou boa de dar presente) . Ele não gosta de comemorar aniversário, mas gosta de comer, e é esperto de não recusar presentes desse tipo !

Ao chegarmos, pasmem, o garçom puxou a cadeira para mim. E os vários moços bonzinhos que lá estavam, repetiram o gesto cada vez que que me levantei para pegar comida (e que comida boa!).

Feministas presentes - eles fizeram isso para o Ton também...

Lembrei do meu pai na hora!!! Ele era desse tipo de pessoa. Fazia essas coisas que hoje muitas mulheres acham ofensivas (e eu não sei abrir uma porta de carro sozinha? não sei puxar uma cadeira para sentar? não sou inválida só por ser mulher). 

E sabe o que mais? Apesar de enxergar a necessidade do feminismo nos dias de hoje e para sempre, até hoje eu gosto disso. Não percebo a coisa como uma ofensa às minhas habilidades, mas sim como um "deixa eu facilitar a coisa para você como um carinho, como o sinal que eu te percebo e quero ver você bem". 

Creio que essas coisas no meu pai, que hoje teria 90 anos, talvez até fossem ditadas pela ideia que corria na sociedade (corria ou corre?) de que o homem era o provedor, o cuidador, o mais forte... Mas me lembro tão bem de eu indo com ele ao hospital, para fazer o tratamento de câncer no cérebro, já perto da ida dele, e, ao caminharmos na calçada de encontro ao táxi que o levaria para casa, ele tendo o cuidado de me colocar do lado de dentro da calçada, mesmo com toda dor e medo que devia estar sentindo (se um carro perder o controle e subir na calçada, eu te protejo, ele dizia). 

Meu irmão demorou para chegar. Enquanto ele não vinha, e crescia o suficiente para poder fazer companhia a ele, era eu quem ajudava a limpar e consertar o carro e outras coisas. Me lembro bem da vez em que desmontei o  meu radinho de pilha e montei de novo só para descobrir se eu conseguia (e, hj vejo, para mostrar a ele que estava dando valor ao que ele me ensinava).

Ontem deu uma saudade muito grande dele. Também ao perceber a toalha de pano e o guardanapo de pano, branco e imaculado, que daria tanto prazer a ele!!! Quando começou a onda de toalhas de plástico e guardanapo de papel, ele quase que definhava nos restaurantes. 

Ao limpar a boca no guardanapo, depois de uma comida que ele adoraria, eu pensei: paião, essa é para você! 

Saudade.



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